Um outro olhar
À noite, depois de cinquenta e dois anos, voltei a sonhar com meus dois anjos que ainda estão no altar da Igreja de Lagoa da Prata. Quando eu tinha quatro anos, viver em Luziânia era um pesadelo. Então meu pai Eliseu inventou um método original para que eu tragasse as imagens tristes que nasciam do canavial. Ele cortava pendões brancos das canas e, pintava com as cores do arco íris e, colocava na jarra que ficava no centro da sala. Com estas cores, para mim terríveis, os anjos golpeavam ventana. De joelhos na Igreja eu conversava com aqueles dois anjos. Aí estão os anjos que castigavam as crianças, que não construísse a felicidade. Em meus sonhos sentia horror a realidade. Com o tempo este medo se converteu em fascinação e na minha forma agressiva de falar. E, até hoje não tenho claro o que as pessoas chamam de felicidade. Ontem à tarde colocando os pássaros brasileiros pintados por Antún Kojtom, pintor descendente da Civilização Maya, nas cores amarelas das asas do pássaro Quero-Quero eu percebo que estou perdendo a esperança e, chego insensivelmente à época em que comecei a contar aos amigos o fácil argumento de meu sonho. Também cheguei a esquecer de minha vida em Lagoa da Prata. Até ontem à noite. A noite quando eu estava no meio de um sonho todas as imagens se apagaram e, apareceu uma bruma de pendões, e no meio desse mar branco, meus anjos e, meus pássaros. Senti-me feliz e horrorizado com o ser humano. Através da arte me esforço um pouco, posso reconstruir algo daquela emoção de aprender a ser feliz com a miséria que conheci em Luziânia. Os anjos, os indeformáveis, eternos, inócuos Anjos de minha infância, se equilibraram e fizeram algo totalmente imprevisto. Pela primeira vez se deram voltas nas asas dos pássaros de Antún que estão na parede da Galeria de Arte Gustavo Alvino Flores (nome de meu filho ainda sem registro), só por um momento, todos os pássaros tinham rosto de meu pai que morreu em 21 de agosto de 2004. Se uma obra de arte traduz um movimento estético e um contexto na história, o espectador não deveria aprender a ler as pinturas? Vivemos dentro de um aquário de ideologias. Toda obra de arte (linguagem) é inventada a partir de uma ideologia, mas os pássaros brasileiros de Antún não aparecem como tal. Os objetos e as pinturas são ideologia, mas nos falam da realidade. Por outro lado qualquer debate que indique que os pássaros de Antún e, meus anjinhos ainda vivos dentro da Igreja de Lagoa da Prata o sistema desqualifica. Eu acho que este é o drama dos movimentos artísticos periféricos. O artista desmonta essa ideologia, por meio de formas, líneas e coloridas. Porque a composição é o processo de colocar tudo ao contrário. Os pássaros brasileiros de Antún com tintas da cultura Maia nos da certeza de que é possível produzir as ideias que nos permitam mudar o mundo. As cores dos pássaros chama-se progresso. Para compreender a linguagem visual é preciso ter sabedoria no sentido estético para tirar proveito da obra de arte. Das pinturas de Antún tirei a seguinte lição:o homem contemporâneo conquistou o poder de se destruir e da decadência da Civilização Maia percebi que a Civilização do século XXI precisa ser defendida contra o individuo, porque o homem se sente sem rumo.