Espelho, espelho meu
Hoje me peguei no “flagra” diante do espelho. De repente, deixei-me levar pela opressão mesquinha que arrasta a maioria das pessoas, principalmente as mulheres: a obsessão do corpo bonito, da silhueta definida, dos rótulos que nos massacram diante de estereótipos criados por nós mesmos, em nossa santa ignorância. Já não nos damos o direito de viver a plenitude das delícias da vida. Comer tem gosto de culpa, nos martiriza com o pesadelo da balança dominadora dos nossos quilinhos a mais. Já não podemos nos deixar levar pelo sabor daquilo que os dá prazer à mesa, porque fora dela olhos acusadores irão nos marginalizar se em excesso de peso. Com a facilidade de informações que dispomos, cozinhar virou moda e atração, mas comer é proibitivo nos nossos falsos conceitos de viver.
Nunca em tempo algum houve tanto incentivo e facilidade para correr este vasto mundo, conhecer e desfrutar as suas maravilhas. Mas quanto maiores são as possibilidades de acesso, menores as oportunidades, pois estamos presos cada vez mais a um ou mais empregos que nos sugam, nos segregam e nos afastam da liberdade de ir e vir enquanto podemos… Quando chega a hora de parar, já é tarde, o tempo passou depressa e nos deixou de joelhos fracos, de olhar vazio e sem vontade de vibrar. Descobrimos que trabalhamos uma vida inteira para aprendermos a ser cada vez mais deprimidos.
Chega a hora, em que a vida começa a dobrar a esquina e nela a gente se encontra com a sombra da angústia de não ter vivido como queríamos, de termos renunciado a tanto por tão pouco e não termos sabido viver. Muitas vezes engolimos a culpa de termos sufocado nossos sonhos para viver a realidade de quem às vezes nem mereceu. Ou talvez tenhamos vivido tempo demais em ilusões inúteis, com sonhos tolos que não deram em nada, ao invés de viver intensamente os pequenos momentos da vida.
Momentos como esses que a gente sufoca em nome de um corpo mais magro, de um rosto mais jovem, de um sorriso mais franco que a gente busca e não encontra. O espelho nos dá o recado todo dia que somos o que somos, mas só enxergamos aquilo que os outros querem que sejamos. Jurei parar de me culpar pelos meus quilinhos a mais, pelas rugas que insistem em me desafiar, pelos fios brancos que tento esconder… Quero me dar ao luxo de envelhecer com dignidade, sem ser dependente dessa beleza padronizada, botoxizada, artificial e modeladora, que nos seduz com a promessa de rejuvenescimento. Eu quero viver a plenitude daquilo que eu considero que vale a pena: saborear o que me dá prazer enquanto tenho forças para curtir a vida. O espelho tem que aprender a ver a beleza de outro ângulo, preferencialmente, o interior… Ele e milhares de pessoas.
Por: Maria do Rosário Bessas