Os pantanais do meu peito
Estou na estrada da literatura e da poesia desde 1977 e nunca me deparei com ambiente tão anticultura como acontece nos dias de hoje. Assistimos a um desanimador tecer de loas à ignorância que, ao que parece, foi elevada a predicado. A situação me remete à minha avó professora Venina Gomes, que dá nome a escola de ensino fundamental em Moema e foi sepultada no cemitério de Lagoa da Prata.
Minha querida e saudosa vovó Venina, sabedora do meu gosto pela escrita, costumava me alertar: “cuidado, a ignorância é atrevida!” E ela tinha razão, pois aprendi no chão de fábrica da poesia, da literatura e do jornalismo quanto é difícil exercitar o dom da arte da palavra escrita.
Alguns de meus amigos e prefaciadores, como o saudoso poeta Bueno de Rivera, professor Aluísio Pimenta e o escritor Celso Brant, também me alertaram em relação às dificuldades que eu enfrentaria em minha caminhada de autor, mas ainda assim segui ao chamado das palavras, que se me apresentaram ansiosas por ganhar vida e se revestir de sentido num poema ou no enredo de um romance.
Ao longo dos anos meus principais patrocinadores, subjugados pela morte, foram partindo da dimensão terrestre e, assim, vi o aumento das pedras atiradas nas estreitas trilhas de minha jornada de autor independente, tornando a atividade de escriba menor uma batalha campal: escrever, editar e lançar livro é ato revolucionário neste Brasil de tão poucos leitores, no qual 44% da população jamais leu um livro sequer.
Nosso país tem a obrigação de trabalhar pela valorização de todos os segmentos culturais, mas como acreditar nessa possibilidade quando se ouve falar em taxação de comercialização de livros; quando observamos a ausência de autoridades constituídas em eventos culturais, sinalizando ao povo que se pode levar uma vida sem banhar a mente na beleza sensibilizadora de um poema ou acalmar o coração em sofrimento com o horizonte de luz e ternura da ficção de um romance.
Ano que vem (2022) espero lançar o meu 25º livro, o romance “Jenipapo no ponto”. A obra tem como lastro a vida de minha mãe, uma saudosa mato-grossense de pele cor-de-cuia, que me encheu o peito de pantanais com os quais dou umidade, verdade e leveza à minha produção literária.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br