NOVA E PERIGOSA VARIANTE DE PESSOAS
“Muitas vezes penso que a literatura e a poesia vieram ao meu encontro num riso descontraído e sem motivo em meu tempo de infância, quando tudo era felicidade liberada sem qualquer preocupação com o caminhar incerto da existência humana.”
A poesia e a literatura permanecem em mim desde aquele dia de riso solto como se não incomodassem nem se dessem conta dos meus cabelos brancos e os remédios nas gavetas do criado-mudo, pondo-se a correr no avarandado de minha mente como se eu ainda tivesse pernas para persegui-las em sua ligeireza de horizontes.
Todavia, cansado, coloco meus óculos, pego caneta, papel e fico à espera que elas percam o fôlego e venham ao colo do meu cérebro, para que eu as vista e as faça adentrar o mundo encantado da arte da palavra escrita, dando-lhes sentido e possibilidade de acesso ao salão de baile das palavras em verso e prosa.
Atravessamos um estágio bastante difícil da humanidade, no qual a ignorância aflora e, como criança rebelde, se põe a destruir tudo que vê pela frente, tentando demonstrar sua pretensa força, que se sustenta no total negacionismo e no inconsequente desprezo pela ciência, pela educação e pela cultura.
Houve um tempo em que, buscando o aprendizado multifacetado da sociedade, andava por todos os cantos sem me preocupar com a exposição de opiniões e ideologias contrárias ao meu pensamento, mas nos dias de hoje estabeleceu-se o confronto e não há como conviver (ou aceitar) a naturalização de visão de mundo dos que defendem a exclusão social, o racismo, a homofobia e até mesmo a eliminação dos “diferentes”.
Definitivamente, estamos diante de nova e perigosa variante de pessoas, para as quais os preceitos antissociais são vistos como parte integrante da liberdade de expressão política, apesar de estar alinhados às características doentias dos “sociopatas”.
O poeta Carlos Drummond, que chorou a pedra no caminho, não sabia quanto era feliz, pois em nossa época, além dos obstáculos naturais, as pessoas estão a atirar pedras umas nas outras e, quando não conseguem o que querem, criam mentiras virtuais (as fake news), que ao atenderem o egoísmo de seus desejos – ao feitio da lâmpada de Aladim – passam a ser o irreal mundo imaginário em que vivem alheias a tudo e a todos, num voluntário distanciamento e tresloucado isolamento social.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista