José Antônio Gontijo, ex-aluno do Caraça
José, natural de Bom Despacho, estudou no Colégio do Caraça, em 1874, segundo conta do livro de contas e pagamentos durante os anos letivos de 1874 a 1879.
O Colégio, que os padres da Congregação de São Vicente de Paulo transformaram no maior e mais famoso estabelecimento de ensino do Império, estava situado entre as magníficas montanhas caracenses, numa planície acidentada, cortada por inúmeros regatos, em meio à absoluta solidão aumentada pelo silêncio que reinava das oito da noite às cindo da manhã. No começo de setembro, aproximando-se a data obrigatória para a chegada dos alunos, recomeçaram as despedidas e a arrumação das canastras. Dentro delas, cuidadosamente dobradas, iam duas batinas de “duraque”, duas de “merinó”, duas sobrepelizes enfeitadas de tiras bordadas, calças de ganga, ceroulas, lençóis, camisas de dia, camisas de dormir, lenços e um par de sapatos pretos. Com muitos pacotes de doces e queijos, dinheiro para a compra de guloseimas e lágrimas de parte a parte.
De Bom Despacho, até o Caraça já havia combinado com parentes e amigos que, após um dia de cavalgada, chegaria até a fazenda de um parente ou amigo e assim venceria a grande jornada. Normalmente os estudantes novatos chegavam com onze anos a completar. No primeiro dia, pararam apenas uma vez, numa venda à beira da estrada, para tomar um pouco de água fresca, café e dois martelos de pinga para os camaradas. Ao entardecer, avistaram a primeira fazenda. Antes das seis horas da manhã seguinte, após o café com leite e biscoitos, partiram para mais um dia de jornada nas estradas poeirentas.
Na plantaforma de chegada, pontilhada de meninos de batina, como pequeninos padres, palmeiras ofereciam sua sombra refrescamte. Separados em duas partes, imponentes, erguiam-se os edifícios do antigo ermitério, as fachadas esparramavam-se por vinte e três metros. No primeiro andar, seis janelas, distantes uma das outras, abriam-se para a entrada do Colégio. O patamar, de dezoito degraus, margeado por uma rampa de largas pedras, ficava entre as duas alas da construção. Os edifícios, feitos de pedras e cal em estilo luso, tinham sapatas, portais, peitorais e ombreiras de pedras. Um cenário perfeito, completado pela soberba torre da capela gótica, jardins floridos e pátios espaçosos.
Depois do impacto inicial, José apresentou-se ao superior do colégio que o encaminhou ao salão correspondente à sua divisão. Foi avisado que deveria cuidar-se para não entrar em outra divisão que não fosse a sua, pois os “Grandes”, “Médios” e “Pequenos” viviam completamente separados uns dos outros. Uma palavra ou bilhete dirigido a um aluno de outra divisão ou salão era falta punida com expulsão.
Os alunos estudavam humanidades, aprendiam francês, português, inglês, geografia, aritmética e álgebra, geometria plana e do espaço, cosmografia, astronomia, física, química, botânia e zoologia, história, literatura, retórica e filosofia. Conversas obrigatórias em latim, educação baseada na leitura de clássicos. Aos domingos eram dadas aulas de catecismo aos meninos do 1º e 3º ano e de apologética aos do 4º e 7º ano. A riquíssima biblioteca dos padres, com prateleiras envidraçadas, cheias, de alto a baixo, dos mais importantes livros até então escritos. Era natural que, depois do Caraça, o aluno fosse encaminhado à Europa, especialmente Coimbra, para aprofundar os estudos.
Foram dias, meses e anos entre alunos de todas as partes do Brasil. Anos de silêncio, apenas quebrado pelas badaladas do sino que ordenava as filas duplas para o refeitório e pela voz monótona de um colegial, lendo do púlpito, alguma obra de autores portugueses dos séculos XVI e XVII. Rito repetido todos os dias no almoço das sete horas da manhã, no jantar do meio-dia, na ceia das sete da noite, que inundava os meninos de vernáculos e de autores franceses, traduzido na hora pelo leitor do momento. Um silêncio perturbado pelo arrastar de centenas de pés acomodando-se sob os bancos, pela ação de graças, pelo Benedicite do Padre Superior. Rígidos horários! Levantavam-se às seis horas para rezar na capela iluminada e colorida por magníficos vitrais que filtravam o sol nascente, pondo arco-íris de pedra preciosas nas jovens cabeças curvadas em oração e no rosto da Pietá sofrida, no meio da nave.
Depois de um ano, em setembro, o ritual da viagem se volta se repetia.
Infelizmente, em 1968, um incêndio destruiu o Caraça.
FOTO DO CEMINÁRIO DE CARAÇA EM 1870.
Livro do Santuário, onde consta o nome do aluno José Antônio Gontijo.
Esse e outros contos estão nos livros: Bom Despacho 300 anos: Homens que a construíram – Tomo I, II, III e IV.
Fernando Humberto de Resende.